A ideia dessa segunda parte originalmente era falar um pouco sobre minha experiência com profissionais estrangeiros no Brasil. Mas os últimos acontecimentos no Brasil, principalmente no que se refere à possível vinda de médicos cubanos ao país me motivaram a falar sobre o quanto o país como um todo está despreparado para uma política imigratória mais consistente.
Nem o governo se mostrou maduro o suficiente para publicar uma política correta de atração de médicos estrangeiros, nem a população se mostrou aberta à receber um número maior de profissionais estrangeiros. Na minha opinião muito disso se deu por falta de conhecimento e tato de ambos os lados: governo e população.
Vou usar o paralelo Australiano, claro, como base para mostrar o que poderia ser feito. E usar a busca por médicos estrangeiros como exemplo.
A necessidade da criação de uma política de imigração qualificada se dá basicamente quando um país:
- Precisa de mão-de-obra altamente especializada em uma certa área de conhecimento ou
- Precisa de mão-de-obra cuja formação técnica venha a suprir uma demanda de mercado devido ao contexto econômico atual ou
- Precisa de mão-de-obra com uma formação específica para atuar em localidades pré-definidas (normalmente mais remotas) do país ou
- Precisa de mão-de-obra especializada para fundamentar um crescimento de infra-estrutra no país.
Vamos então usar o exemplo dos médicos.
Foi identificada a necessidade de um número maior de médicos em certas regiões do país. Seja pelo motivo que for (falta de estrutura, baixos salários, localização, etc.) não importa, mas esse é um fato e o governo resolveu agir com uma “política de imigração”, que seria trazer 6 mil médicos cubanos para atuar em terras brasileiras.
Muitos foram os erros nesse processo que eu consegui encontrar até o momento. Vamos primeiro aos do governo:
- Quando se opta por uma política de imigração, tem que estar claro as especificações da mão-de-obra e locais de atuação
- Uma vez definida a necessidade (no caso clínicos gerais que atuem em pequenos municípios), o governo simplesmente não pode restringir a imigração à um país específico, por melhor que sejam os médicos cubanos. Isso ou mostra preconceito no processo de seleção ou algum interesse escuso por detrás de tal política. O fato de virem de um país também em desenvolvimento não permitiu maiores alardes, mas imagina se ao invés disso a política fosse algo como: “Só vamos trazer engenheiros americanos e para atuar em grandes centros”.
- Está claro pelo meu post anterior que médicos de outros países podem atuar bem no Brasil. E é claro também que médicos latino americanos têm uma facilidade maior para se adaptar à realidade do Brasil – são médicos que tendem a conviver com doenças locais semelhantes, sob uma política médica similar e que certamente têm menos dificuldade com idioma.
- Se ao invés de uma política imigratória, o governo optasse simplesmente por um convênio entre países (Brasil e Cuba, por exemplo)
- Um convênio desse tipo deve claramente mostrar os benefícios para ambos os países e envolver intercâmbio profissional. Em momento algum isso foi mostrado – nem os benefícios de se ter médicos cubanos aqui e nem o que médicos brasileiros poderiam ganhar com isso, seja interagindo com eles dentro do próprio país ou indo atuar em Cuba. Se essa é a intenção, nada disso foi ventilado.
- Um dos principais erros é não deixar claro que a vinda de médicos estrangeiros (ou qualquer tipo de profissional) é uma crítica à qualidade dos brasileiros que atuam no país. A mensagem não pode ser: “Estamos trazendo médicos de fora porque as universidades não conseguem formar bons profissionais e os que aqui atuam são todos mercenários, que preferem atuar para planos médicos privados em grandes centros, do que exercer uma medicina pura beneficiando população de baixa renda”.
Erros da população e dos meios de comunicação. São muitas informações incorretas e preconceitos.
- Achar que a vinda de médicos estrangeiros vai acarretar em um ‘sucateamento’ de salários e que os estrangeiros vêm trabalhar por qualquer valor
- O Brasil possui cerca de 400 mil médicos. 6 mil médicos representam um aumento de 1,5% no total. É um aumento mínimo percentual e que não acarretaria em excesso de mão-de-obra.
- Achar que a vinda de médicos estrangeiros é um afronto à qualidade dos médicos brasileiros
- O governo deveria ter deixado isso claro como mencionei anteriormente
- De qualquer forma em nenhum momento foi feita crítica alguma à qualidade dos médicos formados no país
- Não ter informação alguma sobre a qualidade dos médicos cubanos
- De maneira preconceituosa muita gente já assumiu que por sererm cubanos, os médicos não seriam bons
- Não precisamos pesquisar muito pra descobrir que Cuba tem o menor índice de mortalidade infantial na América toda; que Cuba tem o maior número de médicos por habitantes também em toda América; que médicos cubanos têm uma formação focada em atendimento com uma menor aparelhagem, justamente focando o atendimento de uma população mais pobre; e que Cuba tem uma tradição de enviar médicos ao exterior justamente para fazer um trabalho similar
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- De qualquer forma minha opinião segue a mesma: Não se pode permitir a vinda de profissionais de um único país; essa busca de profissionais deve ser ampla, sem restrições geográficas e culturais. Se algum médico tiver os requisitos procurados pelo governo e vontade de trabalhar no Brasil (nas condições definidas) ele deve ter o direito de imigrar seja qual for sua origem
- De maneira preconceituosa muita gente já assumiu que por sererm cubanos, os médicos não seriam bons
- Dizer que é ‘impossível’ se consultar com médicos que não falam português
- Médicos de organizações como “Cruz Vermelha” e “Médicos Sem Fronteiras” atuam justamente em regiões pobres do planeta onde certamente não se falam seus idiomas de origem. Certamente existe um método eficaz para esse tipo de atuação em particular
- As diferenças entre português e espanhol não são exatamente uma dificuldade insuperável, sinceramente.
Erros simultâneos dos dois lados:
- Imigração qualificada é apenas UMA das ações para se resolver um problema específico, no caso a questão de saúde pública no Brasil
- Em momento algum podemos achar que o problema de saúde se resolverá trazendo mais médicos. Um número maior de profissionais é necessário, mas é apenas o começo
- Misturar problemas diferentes não ajuda ninguém
- Uma coisa é a questão da precariedade de atendimento e infra-estrutura pública hospitalar (seja em grandes centros ou vilarejos remotos), baixos salários de médicos no SUS e o fato de não haver concurso público para os médicos do sistema público
- OUTRA coisa é falta de profissionais em regiões remotas do Brasil. Dizer que não existem médicos em distritos com menos de 30 mil habitantes somente porque não existem bons hospitais e laboratórios é hipocresia. Podiam construir um novo Albert Einstein no semi-árido nordestino e ainda assim seria difícil atrair o número necessário de médicos para lá.
- É nesse ponto que cabe ao governo definir uma política consistente de prestação de serviços em tais localidades. E claro que aí a imigração qualificada pode ajudar. Da mesma maneira que existe uma política que exige a presença de pelo menos um banco público em cada cidade; da mesma maneira que existe um número mínimo de telefones públicos necessários a cada quilômetro quadrado, deve existir uma política que viabilize um número mínimo de médicos por cidade ou habitante
- Tem que ficar claro que o intercâmbio profissional, seja trazendo profissionais estrangeiros para atuar no país, ou ter profissionais brasileiros atuando fora por algum tempo é benéfico tanto para os países quanto para os profissionais envolvidos no processo.