Sobre a questão dos Refugiados (I)

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Estamos em ano de eleição na Austrália e uma das questões mais pertinentes na discussão pública é – como não poderia deixar de ser – a questão dos refugiados.

Antes de mais nada é preciso separar alguns conceitos importantes, já que isso causa discrepâncias tanto qualitativas como quantitativas nas análises. São coisas distintas:

  • O imigrante legal, que divide-se em três grandes grupos para fins de análise (como feita pelo departamento de imigração; comentarei mais pra frente):
    • Imigrantes de residência permanente: São os imigrantes que vêm com intuito de aqui permanecer, como eu por exemplo, e que já chegam ao país com esse direito.
    • Familiares de residentes ou cidadãos: Residentes permanentes e cidadãos podem trazer familiares de relação direta para a Austrália, desde que alguns critérios sejam atingidos.
    • Imigrantes de residência temporária: Aqui existe uma gama enorme de perfis: estudantes, profissionais que vêm apenas com direito de trabalho patrocinado por uma empresa, estudantes que aqui se formam, etc. Imigrantes de residência temporária podem eventualmente passar para a categoria de residente permanente.
  • O imigrante ilegal, que normalmente são pessoas que vêm com visto de turismo – ou alguma forma de residência temporária – e por aqui ficam. Como a Austrália não tem fronteira terrestre, os imigrantes ilegais encontram-se normalmente nessa categoria, apesar dos muitos casos de pessoas que chegam de barco (buscando asilo ou não).
  • O refugiado (visto humanitário), que também cobre uma diversidade grande de perfis e não somente pessoas vindas de países em situação de guerra ou guerra civil. Temos, por exemplo, um conhecido nosso , que trabalhava como psicólogo em penitenciárias na Colômbia; ele conseguiu visto humanitário por correr perigo de vida em seu país.

Quis fazer essa distinção, já que é muito comum uma análise superficial do tema, tendo como resultado chavões do tipo:

  • Imigração é importante porque traz diversidade.
  • Somos uma nação de imigrantes. Todos temos familiares que vieram pra cá e fizeram a vida com muito trabalho e contribuíram para o país.
  • Somos uma nação rica e temos que ajudar o maior número de pessoas possível.

Tudo isso é fato, mas parece-me óbvio que os três perfis que mencionei acima contribuem (ou usufruem) de maneira distinta pra isso.

Focando então na questão dos refugiados em si.

A discussão acabou esquentando ainda mais semana passada quando o atual ministro da imigração, Peter Dutton, fez uma declaração polêmica baseada primordialmente nos seguintes pontos:

  • Os refugiados chegam com um nível de proficiência muito baixo em inglês, o que é esperado, mas que ao longo do tempo a proficiência não melhora de maneira alguma.
  • Os refugiados quase em sua totalidade entram no CentreLink (ele se refere à uma certa quantidade de bolsas e incentivos para quem chega com visto humanitário). E que passados cinco anos a maioria deles permanece vivendo somente do assistencialismo.
  • Que a Austrália já recebe o maior número de refugiados per capta do mundo (em torno de 13 mil por ano; e esse ano com um adicional de 12 mil somente da Síria e Iraque). E que não há dinheiro para que se aumente esse número.
    • Uma das promessas de campanha dos partidos de oposição é o aumento do número de refugiados aceitos por ano (“Partido Verde” (Greens) quer o aumento para 50 mil refugiados por ano; e do “Partido Trabalhista” (Australian Labor Party) um aumento para 27 mil).
    • O partido “Liberal”, atualmente no poder, quer manter o atual número de 13 mil.
  • Que os refugiados tomariam empregos dos australianos.

Grande parte da imprensa exigiu um pedido de desculpas, que não veio.

As respostas de ambos os partidos de oposição vieram na seguinte linha:

  • O ministro se mostrou um racista.
  • Os dados em que ele se baseou são incorretos.

Uma outra preocupação é com a possibilidade de ataques terroristas na Austrália. Argumenta-se que nunca houve ataques terroristas no país e que, portanto, o processo de análise dos refugiados quando de sua entrada, é suficientemente bom.


No segundo post dessa série comentarei sobre os dados apresentados pelo ministro Dutton. É fundamental compreender os dados para que se possa ter uma discussão pública de qualidade.

Já no terceiro comentarei sobre o fato de nunca ter havido ataques terroristas perpetrados por refugiados na Austrália. Falarei sobre três casos nos últimos dois anos que, para mim, caem na definição de terrorismo.

E no último post falarei sobre as diferenças da questão dos refugiados na Europa, Estados Unidos e Austrália.

 

 

Busca Brasileira por Imigrantes Qualificados – parte 2

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A ideia dessa segunda parte originalmente era falar um pouco sobre minha experiência com profissionais estrangeiros no Brasil. Mas os últimos acontecimentos no Brasil, principalmente no que se refere à possível vinda de médicos cubanos ao país me motivaram a falar sobre o quanto o país como um todo está despreparado para uma política imigratória mais consistente.

Nem o governo se mostrou maduro o suficiente para publicar uma política correta de atração de médicos estrangeiros, nem a população se mostrou aberta à receber um número maior de profissionais estrangeiros. Na minha opinião muito disso se deu por falta de conhecimento e tato de ambos os lados: governo e população.

Vou usar o paralelo Australiano, claro, como base para mostrar o que poderia ser feito. E usar a busca por médicos estrangeiros como exemplo.

A necessidade da criação de uma política de imigração qualificada se dá basicamente quando um país:

  • Precisa de mão-de-obra altamente especializada em uma certa área de conhecimento ou
  • Precisa de mão-de-obra cuja formação técnica venha a suprir uma demanda de mercado devido ao contexto econômico atual ou
  • Precisa de mão-de-obra com uma formação específica para atuar em localidades pré-definidas (normalmente mais remotas) do país ou
  • Precisa de mão-de-obra especializada para fundamentar um crescimento de infra-estrutra no país.

Vamos então usar o exemplo dos médicos.

Foi identificada a necessidade de um número maior de médicos em certas regiões do país. Seja pelo motivo que for (falta de estrutura, baixos salários, localização, etc.) não importa, mas esse é um fato e o governo resolveu agir com uma “política de imigração”, que seria trazer 6 mil médicos cubanos para atuar em terras brasileiras.

Muitos foram os erros nesse processo que eu consegui encontrar até o momento. Vamos primeiro aos do governo:

  • Quando se opta por uma política de imigração, tem que estar claro as especificações da mão-de-obra e locais de atuação
    • Uma vez definida a necessidade (no caso clínicos gerais que atuem em pequenos municípios), o governo simplesmente não pode restringir a imigração à um país específico, por melhor que sejam os médicos cubanos. Isso ou mostra preconceito no processo de seleção ou algum interesse escuso por detrás de tal política. O fato de virem de um país também em desenvolvimento não permitiu maiores alardes, mas imagina se ao invés disso a política fosse algo como: “Só vamos trazer engenheiros americanos e para atuar em grandes centros”.
    • Está claro pelo meu post anterior que médicos de outros países podem atuar bem no Brasil. E é claro também que médicos latino americanos têm uma facilidade maior para se adaptar à realidade do Brasil – são médicos que tendem a conviver com doenças locais semelhantes, sob uma política médica similar e que certamente têm menos dificuldade com idioma.
  • Se ao invés de uma política imigratória, o governo optasse simplesmente por um convênio entre países (Brasil e Cuba, por exemplo)
    • Um convênio desse tipo deve claramente mostrar os benefícios para ambos os países e envolver intercâmbio profissional. Em momento algum isso foi mostrado – nem os benefícios de se ter médicos cubanos aqui e nem o que médicos brasileiros poderiam ganhar com isso, seja interagindo com eles dentro do próprio país ou indo atuar em Cuba. Se essa é a intenção, nada disso foi ventilado.
  • Um dos principais erros é não deixar claro que a vinda de médicos estrangeiros (ou qualquer tipo de profissional) é uma crítica à qualidade dos brasileiros que atuam no país. A mensagem não pode ser: “Estamos trazendo médicos de fora porque as universidades não conseguem formar bons profissionais e os que aqui atuam são todos mercenários, que preferem atuar para planos médicos privados em grandes centros, do que exercer uma medicina pura beneficiando população de baixa renda”.

Erros da população e dos meios de comunicação. São muitas informações incorretas e preconceitos.

  • Achar que a vinda de médicos estrangeiros vai acarretar em um ‘sucateamento’ de salários e que os estrangeiros vêm trabalhar por qualquer valor
    • O Brasil possui cerca de 400 mil médicos. 6 mil médicos representam um aumento de 1,5% no total. É um aumento mínimo percentual e que não acarretaria em excesso de mão-de-obra.
  • Achar que a vinda de médicos estrangeiros é um afronto à qualidade dos médicos brasileiros
    • O governo deveria ter deixado isso claro como mencionei anteriormente
    • De qualquer forma em nenhum momento foi feita crítica alguma à qualidade dos médicos formados no país
  • Não ter informação alguma sobre a qualidade dos médicos cubanos
    • De maneira preconceituosa muita gente já assumiu que por sererm cubanos, os médicos não seriam bons
      • Não precisamos pesquisar muito pra descobrir que Cuba tem o menor índice de mortalidade infantial na América toda; que Cuba tem o maior número de médicos por habitantes também em toda América; que médicos cubanos têm uma formação focada em atendimento com uma menor aparelhagem, justamente focando o atendimento de uma população mais pobre; e que Cuba tem uma tradição de enviar médicos ao exterior justamente para fazer um trabalho similar
      • De qualquer forma minha opinião segue a mesma: Não se pode permitir a vinda de profissionais de um único país; essa busca de profissionais deve ser ampla, sem restrições geográficas e culturais. Se algum médico tiver os requisitos procurados pelo governo e vontade de trabalhar no Brasil (nas condições definidas) ele deve ter o direito de imigrar seja qual for sua origem
  • Dizer que é ‘impossível’ se consultar com médicos que não falam português
    • Médicos de organizações como “Cruz Vermelha” e “Médicos Sem Fronteiras” atuam justamente em regiões pobres do planeta onde certamente não se falam seus idiomas de origem. Certamente existe um método eficaz para esse tipo de atuação em particular
    • As diferenças entre português e espanhol não são exatamente uma dificuldade insuperável, sinceramente.

Erros simultâneos dos dois lados:

  • Imigração qualificada é apenas UMA das ações para se resolver um problema específico, no caso a questão de saúde pública no Brasil
    • Em momento algum podemos achar que o problema de saúde se resolverá trazendo mais médicos. Um número maior de profissionais é necessário, mas é apenas o começo
  • Misturar problemas diferentes não ajuda ninguém
    • Uma coisa é a questão da precariedade de atendimento e infra-estrutura pública hospitalar (seja em grandes centros ou vilarejos remotos), baixos salários de médicos no SUS e o fato de não haver concurso público para os médicos do sistema público
    • OUTRA coisa é falta de profissionais em regiões remotas do Brasil. Dizer que não existem médicos em distritos com menos de 30 mil habitantes somente porque não existem bons hospitais e laboratórios é hipocresia. Podiam construir um novo Albert Einstein no semi-árido nordestino e ainda assim seria difícil atrair o número necessário de médicos para lá.
      • É nesse ponto que cabe ao governo definir uma política consistente de prestação de serviços em tais localidades. E claro que aí a imigração qualificada pode ajudar. Da mesma maneira que existe uma política que exige a presença de pelo menos um banco público em cada cidade; da mesma maneira que existe um número mínimo de telefones públicos necessários a cada quilômetro quadrado, deve existir uma política que viabilize um número mínimo de médicos por cidade ou habitante
  • Tem que ficar claro que o intercâmbio profissional, seja trazendo profissionais estrangeiros para atuar no país, ou ter profissionais brasileiros atuando fora por algum tempo é benéfico tanto para os países quanto para os profissionais envolvidos no processo.

Busca Brasileira por Imigrantes Qualificados – parte 1

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Quais motivos fariam um estrangeiro imigrar para o Brasil?

O baixo índice de imigrantes morando no Brasil (vide post anterior); algumas notícias recentes mencionando a busca por imigrantes qualificados, como esta do Miami Herald e a discrepância percentual entre o número de imigrantes morando no Brasil e na Austrália me fizeram tentar responder essa pergunta.

Uma das maneiras de se tentar responder essa questão seria eu citar alguns dos motivos mais comuns que fizeram os brasileiros com os quais eu convivo aqui se mudarem pra cá e, em seguida, tentar fazer um paralelo com um estrangeiro procurando as mesmas coisas em um país diferente:

  • Morar em um lugar mais seguro – Em praticamente qualquer dado estatístico a Austrália se mostra um local mais seguro que o Brasil.
  • Oportunidades de trabalho na área de atuação – Quando apliquei para o visto de imigrante, minha área de atuação era uma profissão em demanda na Austrália, o que implicava em ótimas oportunidades profissionais. Não digo somente bons salários, digo desafios profissionais: projetos interessantes e de vanguarda.
  • Juntar algum dinheiro para voltar ao Brasil (não é o meu caso) – O dólar Australiano é uma moeda forte e aqui se paga bem em certas especializações. Receber salário em dólar Australiano e mandar o dinheiro para o Brasil é uma boa alternativa.
  • Facilidade com o idioma – Inglês é um idioma com o qual muitos brasileiros são familiarizados. É um idioma com uma estrutura gramatical simples e que usa o mesmo alfabeto que o português (alfabeto romando ou latino).
  • Estudar fora – A Austrália tem 3 universidades entre as top 50 no mundo.

Se eu fosse um Australiano, nenhum dos itens acima me atrairia. Provavelmente nem mesmo a questão de oportunidades de trabalho, já que pela coluna do Miami Herald as profissões de maior demanda no Brasil (médicos, engenheiros de minas, arquitetos, etc.) são exatamente as mesmas em demanda por aqui.

Os percentuais de imposto de renda no Brasil (27,5%) e Australia (30% na minha faixa de renda) são similares. A questão financeira certamente não me atrairia, já que o salário seria em Reais.

Os imigrantes qualificados que hoje residem no Brasil também me parecem buscar justamente o que eu vim buscar aqui. Por exemplo, 94% dos médicos estrangeiros que atuam no Brasil vieram da Bolívia, Peru, Colômbia e Cuba respectivamente (vide Uol Saúde). E vieram para atuar nos grandes centros do Brasil, onde certamente se paga melhor. Creio que pessoas que têm o Espanhol como língua nativa têm uma facilidade maior de adaptação no Brasil. Além disso, o Real é uma moeda mais valorizada em relação às demais moedas latino-americanas e (apesar de tudo) certamente os grandes centros nacionais possuem uma infra-estrutura melhor que La Paz e Lima.

O aumento do percentual de imigrantes é salutar em todos os aspectos, mas os imigrantes devem vir de todas as regiões justamente pra trazer diferentes experiências e métodos de trabalhos. O número vem aumentando é verdade: em uma pesquisa de dezembro de 2012, a cada 28 novos empregos criados no Brasil, 1 era preenchido com estrangeiro. Mas, baseando-se no número de médicos do parágrafo acima, ainda é pouco e a variedade de países é muito baixa.

Como convencer profissionais cujas profissões estão em demanda simultaneamente na Austrália ou Canadá (cuja lista de profissões em demandas é também similar à lista do Miami Herald) à escolher o Brasil como destino é a grande dificuldade (minha, pelo menos). Principalmente profissionais Europeus ou Americanos (sem elitismo), que têm o inglês como primeira ou segunda língua (e não o português).

Nessa questão idiomática, mesmo comparando-se com outras economias emergentes, tais como Índia e Africa do Sul (Os “I” e “S” do BRICS), o Brasil fica em desvantagem, já que esses países têm o inglês como (uma das) suas línguas oficiais.

Na “parte 2” desse post conto um pouco da experiência que tive com estrangeiros trabalhando no Brasil (de professores à colegas de trabalho) e algumas conversas que tive com Europeus e Sul-Americanos que moram aqui na Austrália, e que tiveram oportunidades de imigrar para o Brasil, mas preferiram a Austrália. Já na “parte 3” coloco algumas idéias do que fazer para atrair mais profissionais ao Brasil.

Estatísticas sobre os Imigrantes

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Algum tempo atrás achei um site muito interessante com estatísticas sobre todos os imigrantes ao redor do mundo, o peoplemovin (sem o “g” mesmo). Reproduzo aqui alguns dados gerais curiosos e algumas comparações entre os dados brasileiros e australianos.

  • Aproximadamente 3,15% da população mundial vive fora de seu país de origem.
  • Em torno de 2% (441 mil) dos australianos vivem fora da Austrália, tendo como principais destinos em ordem: Reino Unido, Estados Unidos, Nova Zelândia e Canadá. Nenhuma surpresa nesse dado, já que são países de língua inglesa e com forte identificação com a Austrália.
  • 26% da população Australiana é oriunda de outros países. É hoje o país com o maior percentual de estrangeiros. Mais de 1,2 milhões de habitantes tem o Reino Unido como origem, o que também não chega a ser uma surpresa. Nova Zelândia e China completam o top 3. Não achei nesse site em específico, mas de acordo com último senso Australiano, existem 7 mil Brasileiros morando aqui.
  • 1,4 milhões de Brasileiros (0,7% da população) vivem fora do país, tendo como principal destino Estados Unidos, Japão e Espanha em ordem.
  • Apenas 0,34% da população Brasileira é composta por imigrantes hoje em dia. É um número muito baixo, especialmente comparado às outras economias emergentes. Até mesmo a Índia possui um percentual de 0,46% imigrantes. A Rússia tem 8,8%.
  • Também sem nenhuma surpresa Portugal, Japão e Itália são os países com maior número de imigrantes no Brasil.
  • Não consegui encontrar o número de Australianos morando atualmente no Brasil.