Perguntado sobre qual a melhor forma de governo Sólon responde: “Governo pra quem? E por quanto tempo?“. Não existe uma resposta simples e direta para essa questão portanto; as variáveis são muitas e o mesmo modelo pode funcionar bem uma nação e não em outra. Mas mesmo assim é possível dizer que a Austrália tem uma democracia muito mais saudável que a Brasileira e explico meus motivos. Foco apenas em caráter federal.

O primeiro ponto é a questão do voto distrital; tópico esse muito em discussão no Brasil no momento. A Austrália é dividida em electorates, – sub-regiões definidas com base na distribuição populacional – e que elegem um único representante para o parlamento (House of Representatives – Os senadores são eleitos por Estado). Esse membro eleito será o representante de quem vive naquele electorate. A comunicação com ele se dá de maneira muito próxima e as pessoas buscam isso. Não são raras as pessoas que mandam cartas ou e-mails para seus representantes e recebem respostas. É claro que em um país com apenas 22 milhões de habitantes essa alternativa é bem menos complexa de ser adotada aqui do que no Brasil.

O segundo – e mais importante ponto – é com relação à alternância de poder e o verdadeiro papel da oposição. Esse tópico é mais longo.

A alternância de poder por si só não significa muito. Ela só é realmente benéfica se for alternada entre partidos que tenham idéias antagônicas, ou que pelo menos apresentem propostas efetivamente opostas em questões críticas de governo. É o que ocorre nos Estados Unidos entre Democratas e Republicanos e é o que ocorre aqui (em um grau de antagonismo menor) entre Liberal (centro) e Labor (centro-esquerda). No Brasil isso não acontece. Não só o partido no poder está em seu quarto mandato consecutivo, como o partido de ‘oposição’ tem uma ideologia similar nas questões que realmente importam. A opção que se faz no Brasil é sobre a intensidade que uma mesma ideologia política será aplicada nos próximos quatro anos. Qualquer opção antagônica que se apresente no Brasil é hoje apenas caricata e, com razão, não é normalmente levada a sério.

O presidente Lula celebra o fato de só termos partidos de esquerda disputando o poder no Brasil. Ele está errado.

Justamente por conta dessa similaridade ideológica, o papel da oposição no Brasil, errôneamente, é visto apenas como fiscalizatório; um papel importante mas secundário no processo. Além disso, a oposição é vista apenas como o lado derrotado – muitas vezes um bando de maus perdedores que devem “aceitar pra doer menos” (expressão comum atualmente nas redes sociais quando de alguma crítica ao status quo; construtiva ou não). Somente em uma democracia doente como a brasileira não se compreende o fato que um parlamentar de oposição é também um representante eleito.

Nesse ponto o parlamentarismo australiano traz enormes vantagens. Vamos à algumas delas:

A função de oposição é efetivamente oficial. A oposição será formada pelo partido (ou coalisão) com número de votos imediatamente seguinte ao partido (ou coalisão) vencedor. O papel de líder da oposição também é constitucionalmente definido. É a pessoa que seria o primeiro-ministro em caso de vitória do grupo que, nesse momento, é oposição. A própria disposição dos membros na câmara deixa claro seu papel: oposição à esquerda e situação à direita. Seus pronunciamentos são também sempre intercalados.

O primeiro-ministro define então seu ministério, formado exclusivamente por membros do parlamento ou senadores. Essa é uma diferença fundamental entre os sistemas brasileiro e australiano: o corpo ministerial é formado por representantes eleitos (confesso não saber se isso é uma obrigatoriedade, mas é que o acontece exclusivamente). Uma função similar cabe ao líder da oposição: ele também nomeia o seu ministério “sombra” (shadow ministry), ou seja, para cada pasta existe um ministro-sombra que fará a contra-partida ideológica e fiscalizatória.

Importante mencionar que as estruturas ministeriais, tanto a oficial como a “sombra”, são quase que em sua totalidade as mesmas existentes pré-eleição. Ou seja, em caso de vitória da oposição em uma eleição, toda a estrutura “sombra” passa a ser a oficial (assumindo que cada um dos membros seja re-eleito). Isso dá ao eleitor a capacidade de avaliar toda a estrutura que governará o país (ou que continuará atuando como oposição) durante os anos que antecedem a eleição. É nessa estrutura em que o eleitor vota e não somente no individuo (primeiro-ministro ou, no caso brasileiro, presidente).

É comum, por exemplo, o ministro da educação e seu “sombra” irem a programas de televisão debater algumas questões. Mesmo cenário ocorre frequentemente com os ministros de relações exteriores. Quando das execuções dos traficantes na Indonésia (post anterior) tanto o primeiro-ministro como a ministra de relações exteriores estavam fora do país por conta das celebrações do centenário de Galipoli (primeira guerra mundial); nesse momento as opiniões (e diretrizes) buscadas foram da ministra “sombra”.

Durante o período do mandato (3 anos aqui), ambos os lados são avaliados (pela população e internamente por seus partidos). É possível, por exemplo, que tanto o primeiro-ministro como o líder da oposição sejam bem (ou mal) avaliados e essa é a questão central: entende-se  claramente a função de cada um dos lados e avalia-se de acordo com isso.

O parlamentarismo permite mais facilmente a troca tanto do primeiro-ministro quanto do líder da oposição e isso pode ocorrer muito rapidamente. Durante o ano de 2014 a Austrália teve três primeiro-ministros diferentes (o líder da oposição eventualmente tornou-se o primeiro-ministro pós eleições). Pode-se argumentar alguma instabilidade nesse processo, mas isso só torna ainda mais evidente a importância do voto na estrutura e não na pessoa.

Um último ponto salutar é o fato de, ao não conseguir a re-eleição, o primeiro-ministro tende a deixar a vida pública (mesmo sendo re-eleito como membro do parlamento). Isso não é uma lei, obviamente, apenas praxe. Não se considera a possibilidade de, como no Brasil, ex-presidentes (mesmo depostos e falando só do período pós re-democratização) ocuparem cargos de senadores (Sarney, Collor), governadores (Itamar) ou ainda cogitar a tentativa de um terceiro mandato. Eles sabem que seu legado já está escrito e sua função cumprida.